Ler Hilda Hilst, me remete ao que entendo como ser humano, aquele mesmo que somos internamente nós humanos, pleno de possibilidades. Alguém que ama, odeia, sonha, deseja, fantasia, sofre, agride, transgride, angustia-se, confunde-se, inquieta-se, alegra-se, extasia-se, e por aí vai. Em menor ou maior escala, dependendo da personalidade, história e características individuais de cada um.
Tá, só que quando leio Hilda, sinto este ser, esta mulher, nesses estados todos ao mesmo tempo.
E aí resulta na literatura (até onde conheço) atrevida, ousada, arrebatadora e elegante da Hilda. Poeta, pra mim, pura e 'louca'.
Pra quem gosta e/ou se interessar, vale a leitura, inclusive dos comentários.
http://revistacult.uol.com.br/website/site.asp?nwsCode=0B625CB8-88A5-42CB-B543-6AA3A425D5E1
Um pouco, bem pouco de Hilda Hilst -
Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.
.
Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.
Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.
Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.
.
Que canto há de cantar o que perdura?
A sombra, o sonho, o labirinto, o caos
A vertigem de ser, a asa, o grito.
Que mitos, meu amor, entre os lençóis:
O que tu pensas gozo é tão finito
E o que pensas amor é muito mais.
Como cobrir-te de pássaros e plumas
E ao mesmo tempo te dizer adeus
Porque imperfeito és carne e perecível
E o que eu desejo é luz e imaterial.
Que canto há de cantar o indefinível?
O toque sem tocar, o olhar sem ver
A alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.
Como te amar, sem nunca merecer?
.
A idéia foi se fazendo
Em mim. Era alta a lua, e aberta
A porta escura da minha casa vazia.
Te pensei. E na minha boca fez-se
Um gosto licoroso, mordedura
Mais doce do que a própria ventura
De existir
E te pensando foi subindo a lua
E vivendo meu instante fui te vendo
Da minha vida cada vez mais perto.
A idéia, redonda, esboçada
Em azul, em ocre e sépia
Era a tua vida em mim, circunvolvida.
.
Estar entre teus pêlos e dedos,
entre tua densidade,
neste transpirar sob medida
aos teus gemidos.
Estar entre teus trópicos,
entre o teu desejo e o meu prazer;
beber parte de teus líquens e teus rios
percorrendo-te da foz até a origem,
e pura a cada amor partir mais virgem.
.
Um desequilíbrio latente que só aqueles que são verdadeiramente geniais podem se dar ao luxo de ter.
Bem poderia ter sido este pensamento, ela por ela.
Dias bem bons pra todos nós!